4.5.12

Perdi meu cavalo branco

O meu nome não importa. Apenas te serve conhecer minha estória. Fui alcoólatra. Isso mesmo, fui e não sou mais. Afirmo estar curado pelo simples fato de não beber mais há mais de dez anos, apesar de trabalhar num bar como garção. Sinto-me como um velho amigo meu, cuja hemofilia jamais o afastou do ofício de vidraceiro.
Diariamente eu sirvo aos clientes cervejas e outras bebidas bem mais fortes, sem contudo me sentir tentado a dar um trago sequer. Tu podes não acreditar no que digo, mas meu relato é verdadeiro. 
Um dia, tive família. Mulher e filhos, porém a bebida me fez abandoná-los. Segui a vida ao lado de amigos bêbados, não sem ficar na espreita dos que deixei para trás por falta exclusivamente minha.
Sempre fui um homem trabalhador e amigo. Amei meus filhos e minha mulher e ainda os amo, contudo sei que nada posso exigir deles depois do sofrimento que lhes causei. Sei que é tarde para desfazer o passado, afinal as crianças crescem e se vão, adultas e maduras ou não, além do que a velhice não tarda para ninguém.
Dos meus filhos, somente o mais velho me visita de vez em quando. Seu coração é imensamente bom, pois jamais me tratou com ressentimentos, mesmo sendo eu merecedor de todas as queixas. Dos outros, só tenho breves notícias e muitas saudades.
Conhecedor da questão, posso dizer-te que a pessoa que bebe é uma vítima da própria ilusão e toda a sua vida passa a ser uma confusa escravidão. No meu caso, a minha ilusão foi tanta que acabou produzindo efeitos colaterais na própria doença e em meu benefício. Depois de ter andado por várias cidades, sempre na dependência da bebida e de quem a fornecesse, um dia ganhei de presente uma garrafa de uísque. De início, tomei o presente como uma espécie de troféu e guardei-o, não sem antes fazer comigo mesmo um bendito pacto: só abriria a importante garrafa no dia em que tivesse algo muito especial para comemorar. Todavia, essa ocasião marcante nunca chegou. A realidade da vida de um bebum não lhe reserva momentos assim e, inconscientemente, acabei me esquecendo totalmente onde enfim havia 'guardado' a tal garrafa. Procurei-a por toda a parte e por muito tempo, mas nada de encontrar a bebida dourada...
A partir daí, senti real desinteresse por qualquer tipo de bebida. Resolvi voltar para minha cidade e para minha casa. Hoje só trabalho e vou à igreja. Vivo modestamente com o que restou da minha saúde e da minha fé. Sei que não posso reclamar. A vida tem sido generosa comigo e a única coisa que espero é poder retribui-la de algum modo e o quanto antes.