4.2.09

Perdeu a linha...

Hoje, de manhã, um ônibus de transporte público de passageiros capotou debaixo de um viaduto, próximo ao Aeroporto de Brasília. Uma senhora morreu na hora, outras vinte e poucas pessoas sofreram ferimentos e foram encaminhadas para o principal hospital público da capital federal. Alguém disse que o acidente ocorreu por causa do excesso de velocidade, outro alguém disse que foi muito rápido...
A polícia adiantou-se em diligência para apurar as causas do fato. Entretanto, estranhei não ter visto ou ouvido em telejornal comentário algum a respeito do excesso de passageiros, afinal de contas eram mais ou menos oitenta!
Desde menino, toda vez que eu entrava em um coletivo para ir à escola ou a qualquer outro lugar, me sentia incomodado com aquele amontoado de gente que se formava a cada parada. Silenciosamente (como todos os demais) percebia que aquilo era um absurdo. Fazer o quê? Nunca vi ninguém se indignar contra a má-fé na prestação do serviço de transporte.
Só que hoje a situação atingiu um limite, embora não creia que seja afinal o limite da indiferença, infelizmente.
Independentemente de perícia e apuração de causas e responsabilidades, houve uma morte e vários casos de pessoas feridas dentro de um ônibus superlotado. Fazer o quê?

3.2.09

O ensaio sobre a cegueira

Ontem assisti ao filme “O ensaio sobre a cegueira” e senti um grande choque, daquele capaz de produzir profundas e arrebatadoras reflexões, que de quando em quando ocorrem na vida de todo mundo. O filme, baseado no livro de José Saramago, no mínimo permite diversas interpretações como a sócio-política, a jurídica, a ética, entre outras. Assim, quis, a partir de um breve resumo do enredo, registrar algumas impressões minhas, as quais me acompanharam sem licença noite adentro.
A narrativa conduz à uma inexplicável perda do sentido da visão por toda uma população (o filme é gravado em diferentes cidades, entre as quais São Paulo – local onde ocorre o primeiro caso de cegueira repentina). Porém não é o lugar que importa. Basta entender que trata-se do nosso mundo, no atual nível de civilização.
Os casos de cegueira vão se sucedendo até o alarme de epidemia, por parte das autoridades públicas. A partir deste momento, as pessoas dadas como “infectadas” são transportados para uma espécie de casa de saúde abandonada.
Dos que compõem o grupo de isolados destacam-se alguns personagens: um casal de orientais, cujo homem é o primeiro “infectado”; outro casal, cujo homem é o oftalmologista que examina o primeiro; um ladrão que se aproveita do primeiro “infectado” e, a pretexto de conduzí-lo para casa após a cegueira, lhe rouba o carro; e uma garota de programa, um menino e um velho negro, ambos pacientes do oftamologista; bem como demais componentes de um outro grupo que, ao final, irá rivalizar com este e com todos os demais, dentro do velho abrigo.
Minha primeira impressão foi a de que iria assistir a um filme de Shyamalan. Porém, à medida que o filme ia se desenrolando, a densidade do argumento apresentava-se bastante superior à do realismo fantástico hollywoodiano.
A mulher do oftalmologista, na noite anterior à ocorrência da cegueira do marido, preparou o jantar e acabou ingerindo grandes quantidades de vinho. Por alguma razão desconhecida, foi a única pessoa a conservar sua visão. Fingindo também estar cega, resolveu acompanhar o marido no abrigo, com o consentimento deste. Com o passar do tempo no interior do abrigo, tudo começa a fazer sentido. Sentido?
Será que os direitos individuais daquelas pessoas acometidas pela cegueira foram respeitados ou teriam elas sido simplesmente banidas da sociedade?
O fato é que militares armados se encarregavam de manter o isolamento entre os cegos e o resto do mundo. A comida (apenas comida e mais nenhum outro recurso material) era entregue aos cegos sem nenhum critério ou controle. Daí, em meio a um cenário de abandono, miserabilidade, e de ausência absoluta da dignidade humana, um grupo de cegos, dentre os quais um de nascença, se revolta e decide instituir uma “monarquia” e a não mais ser solidário com os demais enfermos, passando inclusive a dominar o estoque de alimentos.
Aqui o termo monarquia não é aleatório. Parece que naquele caos, as circunstâncias fizeram aquelas pessoas retrogradarem à Idade Média e, uma vez rompido o anterior “pacto social”, passou a vigorar a velha máxima hobbesiana: “O lobo é o lobo do homem”.
Neste tenebroso contexto, ocorreram os mais repugnantes delitos, tais como: cárceres privados, ameaças, extorsões, estupros, atentados violentos ao pudor, incêndio, quadrilha, e homicídios qualificados.
Num dado momento a mulher do oftalmologista percebeu que o abrigo já não mais se encontrava guardado por militares e então ela conseguiu conduzir um pequeno grupo de sobreviventes de volta para a cidade. Lá o cenário era desolador. Pessoas cegas e desesperadas vagando pelas ruas em meio ao lixo, destroços automobilísticos, estabelecimentos comerciais saqueados, falta de energia elétrica, chuva, etc.
Encontraram refúgio em um café. Logo em seguida conseguiram com muita dificuldade alguma comida no subsolo de um supermercado, e, no dia seguinte, seguiram para a casa do oftalmologista.
Passados alguns dias, o primeiro “infectado” misteriosamente recupera sua visão. Todos comemoraram eufóricos, na esperança de tornarem a ver de novo.
Poder-se-ia sustentar que o Estado nada teria a reparar por tratar-se de um caso fortuito? De um Ato de Deus? Ou o direito daquelas vítimas ao recebimento de indenizações por danos morais e materiais estaria resguardado perante o mesmo Estado?
O que se pode dizer é que os fatos levaram a sociedade da ordem ao caos e por fim uma perspectiva de retorno à ordem.